Afinal, o que querem as mulheres?
Escutei, mais de uma vez, uma amiga repetir seu apelido emergido no seio familiar: “Maria insatisfeita”. Na última vez em que essa citação ocorreu, foi durante a crise do seu último relacionamento, que resultou no término. “Maria insatisfeita”, mais uma vez, solteira. Essa sentença pode ser lida através do ângulo pejorativo, possivelmente a origem do apelido, mas pode ser também entendida pelo olhar da insatisfação psicanalítica (olha eu aqui, mais uma vez), constitutiva (e vital) do humano, que incentiva o movimento por outras formas e fontes de viver e se satisfazer. Eu escolho essa última.
Esses dias, li um texto que falava sobre mulheres incríveis (inteligentes, engraçadas, interessantes, qualificadas e apaixonadas pela prática profissional escolhida, que seguem sonhando e buscando outras conquistas) que, percebendo que os homens prefeririam companheiras cuja dinâmica da relação os permitiria ocupar o lugar de provedor (e ter a sensação de poder satisfazer aquela mulher), começam a se conformar em habitar essa posição servil e dócil para serem “amadas”. A sacada do texto, para mim, foi reconhecer que o amor não nasce em um terreno pobre de admiração, respeito e companheirismo. Quando eu li essa ideia, encaminhei o texto ao meu namorado. É maravilhoso se reconhecer em uma relação construída a partir dessa base, com alguém que é possível manter conversas interessantes, elaborar ideias e sonhar junto, cada um com seus próprios sonhos e encontrar também sonhos comuns, onde até as discussões visam reestabelecer a proximidade e a união, tentando não dar margem para ataques puramente destrutivos. Olhando por esse ângulo, então, eu teria tudo. Para além do meu relacionamento, meu círculo de amizade é constituído de mulheres sensacionais, cada uma com sua singularidade e com a sua maneira de enriquecerem a minha vida. Sou apaixonada pela minha área de atuação e pelos locais em que exerço a minha prática profissional e, em breve, inicio a primeira pós-graduação focada em uma delas (segunda pós-graduação enquanto título). Por que, então, sinto que há algo que falta? O que, afinal, eu (mulher) quero?
Esse texto nasce do meu entristecimento com a minha libido, que embarcou em um avião sei lá para onde. Talvez tenha até caído no meio do oceano e desaparecido, sem chegar ao seu destino. Sem antecipar seu fim trágico, vou considera-la apenas como “perdida”, como se ela só estivesse soterrada por alguma medicação, esquecida embaixo de uma pilha de roupa ou louça para lavar ou, quem sabe, escondida para não me ver trabalhar com a temática da violência sexual. Esteja onde estiver, sofro com a sua ausência.
Alguns meses atrás, consultei com uma ginecologista com foco em menopausa e suas questões hormonais. Quando entrei na sua sala, ela sorriu e, de uma forma muito acolhedora, mas ainda cômica, questionou o que eu, uma mulher de 32 anos, procurava ali. Contei sobre a indicação (meu fisioterapeuta que suspeitava de alguma questão hormonal envolvida na demora da minha recuperação, no meu sono péssimo, na minha irritabilidade e mau humor) e ela me questionou sobre o meu relacionamento e sobre a minha prática profissional. No final da primeira consulta, me disse que se reconhecia em mim e que, se eu não começasse a olhar agora para o ritmo de vida que eu levava, a tendência era que meu cansaço me engolfasse. Isso foi antes, inclusive, de começar a escrever no Substack. Na segunda vez que a vi, contei que tinha ficado pensando sobre a consideração feita por ela no final da consulta e que estava tentando puxar, aos poucos, o freio. Percebi que me sentia à vontade para ocupar um lugar de vulnerabilidade diante daquela mulher que sabia e conhecia sobre a sexualidade feminina e aproveitei para perguntar sobre a “normalidade” da minha libido. Com o mesmo sorriso acolhedor, com um deboche na medida certa, comentou sobre uma paciente adolescente que, ao ser questionada sobre a frequência com que mantinha relações sexuais com o parceiro, respondeu que fazia “sexo de manutenção”: uma vez por semana. “Eu achei esse termo sensacional” – ela disse, - “É preciso cuidar desse vínculo e é isso. Ou tu acha que com o que tu trabalha, da forma como trabalha, teria libido transbordando?” – concluiu.
Confesso (a culpa católica sempre presente) que, nessa época, eu ainda não sentia tanto a falta dela. Quando a questionei sobre a libido, questionei por uma curiosidade quase infantil, de quem não sabe de onde vêm os bebês e acredita nas cegonhas. Hoje, a resposta que ela me deu, que antes me satisfazia, já não cumpre mais esse papel. Sinceramente, não sei como esse texto termina. Pareço, finalmente, chegar no meu “Che vuoi?”, aquele ponto do desejo em que nem o sujeito sabe dizer o que quer, mas sente que falta algo. E, mesmo sem saber, sigo. Olho para essa ausência e não encontro um espaço a ser completado, ela se presentifica na sua falta. Ao mesmo tempo, a sensação de vazio me remete à solidão e me entristece, mas não ando de mãos dadas com a infelicidade. Pelo contrário, me sinto cada vez mais satisfeita com a minha vida e mais impelida a seguir esse caminho. Então, só me resta seguir martelando a questão: “O que quero?”. Freud, de onde estiver, se descobrir... sussurra para mim?